terça-feira, 12 de fevereiro de 2013

Jogos Vorazes Capitulo 1


Parte 1- Os tributos

Capitulo 1




Quando eu acordo, o outro lado da cama está frio. Meus dedos se esticam, procurando o calor de Prim mas encontrando apenas a áspera lona que cobre o colchão. Ela deve ter tido sonhos ruins e subido com a nossa mãe. É claro que ela subiu. Esse é o dia da colheita.
Eu me apoio em um cotovelo. Há luz bastante no quarto para vê-las. Minha irmã pequena, Prim, enroscada do seu lado, embrulhada no corpo da minha mãe, suas bochechas pressionadas juntas. No sono, minha mãe parece mais jovem, ainda que cansada mas não deprimida. A face de Prim é fresca como uma gota de chuva, tão linda quanto a prímula cujo nome a ela foi dado. Minha mãe era muito bonita antigamente, também. Ou assim me dizem.
Sentada aos joelhos de Prim, guardando-a, está o gato mais feio do mundo. Nariz amassado, metade de uma orelha faltando, olhos cor de suco apodrecido. Prim o nomeou Buttercup, insistindo que a pele amarela lamacenta dele combinava com uma flor brilhante. Ele me odeia. Ou ao menos desconfia de mim. Mesmo que tenha sido há anos, eu acho que ele ainda se lembra de como eu tentei afogá-lo em um balde quando Prim o trouxe para casa. Gatinho magro, barriga inchada de lombrigas, rastejando com pulgas. A última coisa que eu precisava era outra boca para alimentar. Mas Prim implorou tanto, chorou até, que eu tive de deixá-lo ficar. Ficou ok. Minha mãe se livrou dos insetos e ele tornou-se um caçador de ratos. Ainda pega um rato ocasional. Às vezes, quando eu limpo uma caça, eu alimento as entranhas de Buttercup.
Entranhas. Sem vaia. Esse é o mais próximo do que nós nunca chegaremos ao amor.
Eu balanço minhas pernas para fora da cama e deslizo dentro das minhas botas de caça. Couro flexível que foi moldado para o meu pé. Eu coloquei minhas calças, a camisa, enrolei minha longa trança escura dentro de um boné, e agarrei meu saco de forragem. Na mesa, em uma tigela de madeira para protegê-lo de ratos e gatos, está um perfeito queijinho envolto em folhas de manjericão. O presente de Prim para mim no dia da colheita. Eu coloco o queijo cuidadosamente no meu bolso e deslizo pra fora. 
Nossa parte do Distrito 12, apelidado de Seam, está usualmente rastejando com mineiros de carvão dirigindo-se para o turno da manhã nesta hora. Homens e mulheres com os ombros curvados, juntas inchadas, muitos dos que deixaram há muito tempo de tentar esfregar o pó de carvão de suas unhas quebradas, as linhas de suas faces afundadas. Mas hoje as ruas de cinza negra estão vazias. Persianas na toca das casas cinza estão fechadas. A colheita não é até as duas. Pode também dormir dentro. Se você puder.
Nossa casa é quase no limite do Seam. Eu só tenho que passar uns poucos portões para chegar ao campo imundo chamado de Meadow. Separando Meadow da floresta, de fato fechando todo o Distrito 12, está uma alta cerca de arame com voltas de arame-farpado no topo. Na teoria, é supostamente para estar eletrificada vinte e quatro horas por dia como um dissuasor para predadores que vivem na floresta – bando de cães selvagem, pumas solitários, ursos – que costumavam ameaçar nossas ruas. Mas desde que nós somos sortudos pra conseguir duas ou três horas de eletricidade nas noites, é geralmente seguro tocar. Mesmo assim, eu sempre tiro um momento para escutar cuidadosamente um zumbido que significa que a cerca está viva. Nesse momento, está silenciosa como uma pedra. Escondida por uma massa de arbustos, eu deito sobre minha barriga e deslizo sob um trecho de 60 cm que estava frouxo por anos. Existiam alguns outros pontos fracos na cerca, mas esse era tão perto de casa que eu quase sempre entro na floresta por aqui.
Tão logo eu estou nas árvores, eu encontro um arco e uma bainha de flechas em um tronco oco. Eletrificada ou não, a cerca tinha sucesso em afastar os comedores de carne do Distrito 12. Dentro da floresta eles vagam livremente, e há preocupações adicionais como cobras venenosas, animais violentos, e nenhum caminho real para seguir. Mas há também comida se você sabe como encontrá-la. Meu pai sabia e me ensinou algo antes dele ser explodido em pedaços em uma detonação na mina. Não existia nada nem para enterrar. Eu tinha onze anos então. Cinco anos depois, eu ainda acordo gritando para ele correr.
Embora passar os limites para a floresta seja ilegal e caça furtiva exerce as mais severas das punições, mais pessoas se arriscariam se tivessem armas. Mas a maioria não é destemida o bastante para se aventurar com apenas uma faca. Meu arco era uma raridade, feito pelo meu pai, junto com uns poucos outros que eu mantenho escondidos na floresta, cuidadosamente envoltos em capas impermeáveis. Meu pai podia ter feito um bom dinheiro vendendo-os, mas se os oficiais descobrissem ele seria publicamente executado por incitar uma rebelião. A maioria dos Pacifistas cobre os olhos para os poucos de nós que caçam porque eles estão tão famintos por comida fresca quanto todo mundo está. Na verdade, eles estão entre os melhores clientes. Mas a idéia de que alguém possa andar armado em Seam nunca seria permitida.
No outono, umas poucas bravas almas enfiam-se na floresta para colher maçãs. Mas sempre na vista do Meadow. Sempre perto o bastante para correr de volta à segurança do Distrito 12 se problemas chegassem. “Distrito Doze. Onde você pode morrer de fome em segurança,” eu murmuro. Então eu olho rapidamente por sobre meu ombro. Mesmo aqui, mesmo no meio do nada, você se preocupa que alguém tenha de escutado.
Quando eu era mais jovem, eu assustei minha mãe até a morte, as coisas que eu exclamaria sobre o Distrito 12, sobre as pessoas que regram nosso país, Panem, de uma cidade distante chamada de Capitol. Eventualmente eu entendi que isso iria apenas nos trazer mais problemas. Então eu aprendi a segurar minha língua e mudar minhas feições para uma máscara de indiferença para que ninguém pudesse jamais ler meus pensamentos. Faço meu trabalho silenciosamente na escola. Tenho apenas pequenas conversas polidas no mercado público. Discuto um pouco mais que negócios no Hob, que é um mercado negro onde eu faço a maior parte do meu dinheiro. Até em casa, onde eu sou mesmo agradável, fujo de discussões sobre assuntos enganadores. Como a colheita, ou a carência de comida, ou os Hunger Games. Prim podia começar a repetir minhas palavras e então onde nós estaríamos?
Na floresta espero a única pessoa com quem eu posso ser eu mesma. Gale. Eu posso sentir os músculos do meu rosto relaxando, meu passo apressando enquanto eu subia as colinas para o nosso lugar, uma orla de pedra com vista para o vale. A visão dele me esperando lá me trouxe um sorriso. Gale diz que eu nunca sorrio exceto na floresta.
“Hey, Catnip,” diz Gale. Meu nome real é Katniss, mas quando eu disse para ele pela primeira vez, eu mal tinha sussurrado. Assim ele pensou que eu tinha dito Catnip. Então quando esse lince louco começou a me seguir nos arredores da floresta procurando esmolas, tornou-se o apelido oficial dele para mim. Eu finalmente tive de matar o lince porque ele assustou a caça. Eu quase me arrependi porque ele não era má companhia. Mas eu consegui um preço decente pelo seu couro.
“Olhe o que eu peguei,” Gale segura um pedaço de pão com uma flecha o atravessando, e eu rio. Era um pão de padaria de verdade, não o plano e estúpido pão de forma que nós fazemos das nossas rações de grãos. Eu o pego em minha mão, retiro a flecha, e o seguro perto do meu nariz, inalando a fragrância que faz minha boca encher de saliva. Pão ótimo como esse é para ocasiões especiais.
“Mm, ainda quente,” eu digo. Ele deve ter estado na padaria de madrugada para consegui-lo. “Quanto te custou?”
“Só um esquilo. Acho que o velho estava se sentindo sentimental essa manhã,” diz Gale. “Até me desejou sorte.”
“Bem, nós todos nos sentimos mais próximos hoje, não?” Eu disse, nem sequer me importando de girar meus olhos. “Prim nos deixou um queijo.” Eu o puxei.
Sua expressão de iluminou de prazer. “Obrigado, Prim. Nós teremos uma festa de verdade.” De repente ele cai no sotaque de Capitol, enquanto imita Effie Trinket, a mulher loucamente alegre que chega uma vez ao ano para ler os nomes no pódio. “Eu quase esqueci! Feliz Hunger Games!” Ele arranca algumas amoras silvestres dos arbustos que nos rodeia. “E que as chances –” Ele lança uma uva em um alto arco na minha direção. Eu a peguei com a minha boca e quebrei a pele delicada com os meus dentes. A aspereza doce explode pela minha boca. “– esteja sempre em seu favor!” Eu terminei com igual entusiasmo. Nós temos que brincar sobre isso porque a alternativa é ficar assustado fora de seu juízo. Além disso, o sotaque de Capitol é tão fingido, quase qualquer coisa soa divertida nele.
Eu assisto enquanto Gale tira sua faca e corta o pão. Ele podia ser meu irmão. Cabelo escuro liso, pele cor de oliva, nós até temos os mesmos olhos cinzentos. Mas não somos parentes, pelo menos não próximos. Maior parte das famílias que trabalham nas minas se assemelham dessa forma. É por isso que minha mãe e Prim, com seus cabelos claros e olhos azuis, sempre parecem fora de lugar. Eles estão. Os pais da minha mãe são parte de uma pequena classe de comerciantes que fornecem para os oficiais, Pacifistas, e o ocasional cliente de Seam. Eles administram uma loja farmacista na parte mais legal do Distrito 12. Uma vez que ninguém pode se dar ao luxo de médicos, boticários são nossos remédios. Meu pai conheceu minha mãe porque numa caçada ele iria de vez em quando coletar ervas medicinais e vendê-las na loja dela para misturá-las em remédios. Ela deve ter realmente o amado para deixar a casa dela para o Seam. Eu tento lembrar isso quando tudo o que eu posso ver é uma mulher que se senta, vazia e inatingível, enquanto suas crianças ficam só pele e ossos. Eu tento perdoá-la pelo meu pai. Mas para ser honesta, eu não sou do tipo que perdoa.
Gale arruma as fatias de pão com o queijo macio, cuidadosamente colocando as folhas de manjericão em cada enquanto eu esvazio os arbustos de suas uvas. Nós ficamos atrás em um esconderijo nas rochas. Desse lugar, nós somos invisíveis mas temos uma clara visão do vale, que está transbordando com vida de verão, verduras para recolher, raízes para escavar, pescado iridescente na luz do sol. O dia é glorioso, com um céu azul e brisa suave. A comida está uma maravilha, com o queijo gotejando dentro do pão quente e as uvas estourando em nossas bocas. Tudo seria perfeito se isso fosse realmente um feriado, se todo o dia fosse vagar nas montanhas com Gale, caçando pela ceia da noite. Mas em vez disso nos temos de ficar de pé na praça às duas horas esperando pelos nomes que são chamados.
“Nós poderíamos fazer, sabe,” Gale diz quietamente.
“O quê?” Eu pergunto.
“Deixar o distrito. Fugir. Viver na floresta. Você e eu, nós podemos fazer,” diz Gale.
Eu não sei como responder. A idéia é tão ridícula.
“Se nós não tivéssemos tantas crianças,” ele acrescenta quietamente.
Eles não são nossos filhos, é claro. Mas eles poderiam ser. Os dois irmãos pequenos e irmã de Gale. Prim. E você pode também acrescentar nossas mães, também, porque como elas viveriam sem nós? Quem saciaria aquelas bocas que estão sempre pedindo por mais? Com ambos caçando diariamente, ainda há noites que a caça tem que ser trocada por banha de porco ou cordões de sapatos ou madeira, ainda tem noite em que nós vamos para cama com nossos estômagos roncando.
“Eu nunca quero ter filhos,” eu digo.
“Eu poderia. Se eu não vivesse aqui,” diz Gale.
“Mas você vive,” eu digo, irritada.
“Esqueça,” ele rebate de volta.
A conversa ficou toda errada. Partir? Como eu poderia deixar Prim, que é a única pessoa no mundo que eu certamente amo? E Gale é devotado a sua família. Nós não podemos partir, então por que nós estamos falando sobre isso? E mesmo se nós pudéssemos... mesmo se pudéssemos... de onde essa coisa de ter filhos veio? Nunca teve nada romântico entre Gale e eu. Quando nós nos conhecemos, eu era uma magrela de doze anos, e embora ele seja apenas dois anos mais velho, ele já parecia um homem. Levou um longo tempo pra nós mesmo tornássemos amigos, para parar de discutir sobre todo negócio e começar a ajudar um ao outro.
Além disso, se ele quer filhos, Gale não terá problemas em encontrar uma esposa. Ele é bonito, forte o bastante para lidar com o trabalho das minas, e ele pode caçar. Você pode dizer pela forma que as garotas cochicham sobre ele quando ele passa na escola que o querem. Deixa-me com ciúmes, mas não pela razão que as pessoas pensariam. Companheiros caçadores bons são difíceis de encontrar.
“O que você quer fazer?” eu pergunto. Nós podemos caçar, pescar, ou colher.
“Vamos pescar no lago. Nós podemos deixar nossas varas e colher na floresta. Consiga alguma coisa legal para essa noite,” ele diz.
Hoje à noite. Depois da colheita, todos são supostos a comemorar. E muitas pessoas fazem, de alívio que seus filhos foram poupados por mais um ano. Mas no mínimo duas famílias vão fechar suas persianas, trancar suas portas, e tentar imaginar se eles sobreviverão às dolorosas semanas que virão.
Nós fazemos bem. Os predadores nos ignoram em dias quando há abundância de presas mais saborosas e fáceis. Ao final da manhã, nós temos uma dúzia de peixes, um saco de verduras e, o melhor de tudo, um galão de morangos. Eu achei o remendo há poucos anos atrás, mas Gale teve a idéia de amarrar a rede de malha ao redor dele para afastar os animais.
No caminho de casa, nós viramos para o Hob, o mercado negro que opera em um depósito abandonado que uma vez guardou carvão. Quando vieram com um sistema mais eficiente que transportava o carvão diretamente das minas para os trens, o Hob gradativamente tomou o lugar. A maioria dos negócios estão fechados a essa hora no dia da colheita, mas o mercado negro ainda está claramente ocupado. Nós facilmente negociamos seis dos peixes por bom pão, os outros dois por sal. Greasy Sae, a velha ossuda que vende tigelas de sopa quente de uma larga caldeira, toma metade das verduras das nossas mãos em troca de um par de pedaços de parafina. Nós podemos fazer um pouquinho melhor em outro lugar, mas nós nos esforçamos em continuar em boas relações com Greasy Sae. Ela é a única que se pode sempre contar para comprar um cão selvagem. Nós não os caçamos de propósito, mas se você é atacada e arranja um cão ou dois, bem, comida é comida. “Uma vez na sopa, eu poderei chamá-lo de bife,” Greasy Sae diz com uma piscadela. Ninguém em Seam iria virar o nariz para uma boa perna de cão selvagem, mas o Pacifistas que vem para o Hob podem se dar ao luxo de ser um pouco seletivo.
Quando nós terminamos nossos negócios no mercado, vamos para porta dos fundos da casa do prefeito para vender metade dos morangos, sabendo que ele tem uma particular afeição por eles e pode bancar nosso preço. A filha do prefeito, Madge, abre a porta. Ela está no meu ano na escola. Sendo filha do prefeito, você esperaria que fosse uma esnobe, mas ela é toda direita. Ela só se guarda a si mesma. Como eu. Desde que nenhuma de nós realmente tem um grupo de amigos, nós parecemos terminar juntas muito na escola. Comendo o lanche, sentando perto uma da outra nas reuniões, fazendo parcerias em atividades esportivas. Raramente conversamos, o que satisfaz a ambas.
Hoje a sua monótona veste escolar tem sido substituída por um caro vestido branco, e seu cabelo loiro está preso com uma fita rosa. Roupas da colheita.
“Bonito vestido,” diz Gale.
Madge lança a ele um olhar, tentando ver se é um elogio genuíno ou se ele está apenas tentando ser irônico. Era um vestido bonito, mas ela nunca o usaria de maneira ordinária. Ela pressiona seus lábios juntos e então sorri. “Bem, se eu terminar indo ao Capitol, quero parecer legal, não?”
Agora é a vez de Gale ficar confuso. O que ela quer dizer? Ou ela está brincando com ele? Eu acho que é o segundo.
“Você não vai para o Capitol,” diz Gale friamente. Seus olhos chegam num pequeno alfinete circular que enfeita o vestido dela. Ouro de verdade. Belamente feito. Podia manter uma família com pães por meses. “O que você pode ter? Cinco entradas? Eu tive seis quando eu tinha apenas doze anos de idade.”
“Não é culpa dela,” eu digo.
“Não, não é culpa de ninguém. Só é assim,” diz Gale. O rosto de Madge fica fechado. Ela coloca o dinheiro pelas uvas na minha mão. “Boa sorte, Katniss.” “Você também,” eu digo, e a porta se fecha.
Nós andamos em direção a Seam em silêncio. Eu não gosto que Gale zombe de Madge, mas ele está certo, é claro. O sistema da colheita é injusto, com os pobres conseguindo o pior. Você se torna elegível para a colheita no dia que completa doze anos. Nesse ano, seu nome entra uma vez. Aos treze, duas vezes. E assim por diante até completar dezoito, o último ano de elegibilidade, quando seu nome vai para a piscina sete vezes.
Isso é certo para todo cidadão dentro de todos os doze distritos do país de Panem inteiro.
Mas há um truque. Diga que você é pobre e está faminto como nós estamos. Você pode optar por adicionar seu nome mais vezes em troca de tessera. Cada tessera vale um ano de um magro suprimento de grãos e óleo para uma pessoa. Você pode fazer isso para cada membro da sua família também. Assim, aos doze anos, eu tive meu nome anotado quatro vezes. Uma vez, porque eu tive de fazer, e três vezes pelo tesserae para grãos e óleo para eu mesma, Prim, e minha mãe. Na verdade, todos os anos eu tenho que fazer isso. E as entradas são cumulativas. Então agora, aos dezesseis anos, meu nome estará na colheita vinte vezes. Gale, que está com dezoito anos e tem sozinho ajudado e alimentando uma família de cinco a sete anos, terá seu nome em quarenta e duas vezes.
Você pode ver porque alguém como Madge, que nunca esteve no risco de precisar de tessera, pode tirá-lo de si. A chance do nome dela ser puxado é muito pequena comparada àqueles de nós que vivem em Seam. Não impossível, mas pequena. E embora as regras tenham sido montadas em Capitol, não nos distritos, certamente não pela família de Madge, é difícil não se ressentir daqueles que não tem que registrar pelo tesserae.
Gale sabe que a sua raiva de Madge é equivocada. Em outro dia, fundo dentro da floresta, eu o escutei falar alto sobre o tesserae ser apenas outra ferramenta para causar miséria no nosso distrito. Um forma de plantar ódio entre os trabalhadores famintos de Seam e aquele que geralmente podem contar com a ceia e, assim, garantir que nunca confiarão um no outro. “É para uma vantagem para o Capitol ter-nos divididos entre nós mesmos,” ele podia falar se não havia nenhum ouvido para escutar exceto os meus. Se não fosse o dia da colheita. Se uma garota com um alfinete de ouro e nenhum tesserae não tivesse feito o que eu tenho certeza que ela pensou ser um comentário inofensivo.
Enquanto caminhamos, eu fito o rosto de Gale, ainda ardendo sob sua expressão pétrea. Sua raiva parece inútil para mim, embora eu nunca dissesse isso. Não é que eu não concordava com ele. Eu concordo. Mas que bom é gritar sobre o Capitol no meu da floresta? Não muda nada. Não faz as coisas justas. Não sacia nossos estômagos. Na verdade, espanta a caça mais próxima. Eu o deixo gritar, entretanto. Melhor ele fazer isso na floresta que no distrito.
Gale e eu dividimos nosso saque, deixando dois peixes, um par de pães bons, verduras, um quarto de galão de morangos, sal, parafina, e um pouco de dinheiro para cada um.
“Te vejo na praça,” eu digo.
“Use algo bonito,” ele diz sem rodeios.
Em casa, eu encontro minha mãe e irmã prontas para ir. Minha mãe usa um vestido fino dos seus dias de farmacista. Prim está com meus trajes da minha primeira colheita, uma saia e uma blusa franzida. Está um pouco grande nela, mas minha mãe o fixou com alfinetes. Mesmo assim, ela está tendo trabalho para manter a blusa dobrada nas costas.
Uma banheira de água quente me espera. Eu esfrego a sujeira e o suor da floresta e ainda lavo o meu cabelo. Para minha surpresa, minha mãe estendeu para mim um de seus belos vestidos. Uma coisa azul e macia com sapatos combinando.
“Você tem certeza?” Eu pergunto. Estou tentando passar a rejeitar as ofertas de ajuda ela. Por um tempo, eu estava tão furiosa que não permitiria que ela fizesse qualquer coisa por mim. E isso era algo especial. As roupas dela do seu passado eram muito especiais para ela.
“Claro. Deixa eu puxar esse cabelo para cima, também,” ela diz. Eu a deixo secá-lo e fazer uma trança na minha cabeça. Dificilmente posso me reconhecer no espelho rachado apoiado na parede.
“Você parece bonita,” diz Prim numa voz quieta.
“E nada como eu mesma,” eu falo. Abraço-a, porque eu sei que essas próximas horas serão terríveis para ela. Sua primeira colheita. Ela está tão segura quanto poderia ficar, desde que ela entrou apenas uma vez. Eu não a deixaria arranjar nenhum tesserae. Mas ela está preocupada comigo. Que o impensável pode acontecer. Eu protejo Prim de toda maneira que eu posso, mas sou impotente contra a colheita. A angústia que eu sempre sinto quando ela está com dor brota em meu peito e ameaça aparecer no meu rosto. Eu noto que a blusa dela está puxada para fora da saia nas costas de novo, e me forço a ficar calma. “Olhe seu traseiro, patinha,” digo, alisando a blusa de volta ao lugar.
Prim ri e me dá um pequeno “Quack.”
“Quack você,” eu falo com um ligeiro sorriso. Do tipo que apenas Prim consegue tirar de mim. “Venha, vamos comer,” digo e dou um rápido beijo no topo de sua cabeça.
O peixe e as verduras já estão sendo cozidas na sopa, mas aquilo será para a ceia. Nós decidimos guardar os morangos e pão de padaria para a refeição da noite, para fazê-lo especial, nós dissemos. Em vez disso tomamos leite da cabra de Prim, Lady, e comemos o pão duro feito de grãos de tessera, embora ninguém tenha muito apetite de qualquer modo.
A uma hora, nos dirigimos à praça. Comparecer é obrigatório a não ser que esteja com o pé na cova. Esta noite, oficiais irão ao redor checar se esse é o caso. Se não, você será preso.
Mas hoje, apesar das bandeiras brilhantes penduradas nas construções, há um ar de crueldade. O grupo de câmeras, empoleiradas como urubus nos telhados, só contribui nesse efeito.
Pessoas andam em fila silenciosamente e assinam. A colheita é uma boa oportunidade para o Capitol de manter etiquetas na população também. Os de doze aos dezoito anos são unidos dentro de áreas marcadas por cordas pela idade, os mais velhos na frente, os mais novos, como Prim, lá trás. Membros da família se enfileiram ao redor do perímetro, segurando apertado a mão um do outro. Mas há outros, também, que tem ninguém que eles amam em perigo, ou que não se importam mais, ou deslizam pela multidão, fazendo apostas nas duas crianças cujos nomes serão puxados. Probabilidade é dada pela idade, se eles são Seam ou comerciantes, se eles terão um ataque e chorarão. A maioria se recusa a fazer negócio com os mafiosos, mas cuidadosamente, cuidadosamente. Essas mesmas pessoas tendem a serem informantes, e quem não tem quebrado a lei? Eu poderia ser pega na base diária para caça, mas o apetite dos responsáveis me protege. Nem todos podem dizer o mesmo.
De qualquer forma, Gale e eu concordando que se nós temos que escolher entre morrer de fome e uma bala na cabeça, a bala seria muito mais rápida.
O espaço fica mais apertado, mais claustrofóbico enquanto as pessoas chegam. A praça é bem larga, mas não o bastante para concentrar a população de cerca de oito mil do Distrito 12. Os retardatários são direcionados para as ruas adjacentes, onde se pode assistir ao evento em telas enquanto é transmitida ao vivo pelo Estado.
Eu me encontro de pé no grupo dos dezesseis anos de Seam. Nós todos trocamos pequenos acenos então focamos nossa atenção no palco temporário que é colocado em frente do Edifício da Justiça. Possui três cadeiras, um pódio, e dois globos de vidro, um para os meninos e um para as meninas. Eu olho para os papeis escorregando dentro do globo das garotas. Vinte deles tem Katniss Everdeen escrito em cuidadosa caligrafia. Em duas das três cadeiras estão o pai de Madge, Prefeito Undersee, que é um homem alto e ficando careca, e Effie Trinket, escolta do Distrito 12, recente do Capitol com seu assustador sorriso branco, cabelo rosa e terno verde de primavera. Eles cochicham um para o outro e então olham com interesse o assento vazio.
Logo que o relógio bate as duas, o prefeito se levanta no pódio e começa a ler. É a mesma história todo ano. Ele fala da história de Panem, o país que se levantou das cinzas de um lugar que já foi chamado de América do Norte. Ele lista os desastres, as secas, as tempestades, os incêndios, as invasões dos mares que engoliu muita terra, a guerra brutal pelo pequeno alimento restante. O resultado foi Panem, uma iluminada Capitol rodeado por treze distritos, que trouxe paz e prosperidade para os cidadãos. Então veio os Dias Negros, a revolta dos distritos contra o Capitol. Doze foram derrotados, o décimo terceiro obliterado. O Tratado de Traição nos deu novas leis para garantir a paz e, como nosso lembre anual de que os Dias Negros nunca deveriam ser repedidos, deu-nos o Hunger Games.
As regras do Hunger Games são simples. Como punição pela revolta, cada um dos doze distritos devem providenciar uma garota e um garoto, chamados tributos, para participar. Os vinte e quatro tributos serão aprisionados numa vasta arena ao ar livre que pode conter qualquer coisa de um deserto ardente a uma devastação congelada. Pelo período de poucas semanas, os competidores devem lutar até a morte. O último tributo de pé ganha.
Tirando as crianças dos nossos distritos, forçando-os a matar um ao outro enquanto eles assistem – essa é a hora do Capitol de nos lembrar como estamos totalmente a mercê deles. Quão pequena chance nos teríamos de sobreviver a outra rebelião.
Quaisquer palavras que usem, a real mensagem é clara. “Olhe como nós tomamos suas crianças e as sacrificamos e não há nada que vocês possam fazer. Se você levantarem um dedo, destruiremos cada um de vocês. Assim como fizemos no Distrito Treze.”
Para fazer a humilhação mais atormentadora, o Capitol nos obriga a tratar os Hunger Games como uma festa, um evento desportivo que coloca cada distrito contra os outros. O último tributo vivo recebe uma vida de tranqüilidade de volta para casa, e seu distrito terá uma chuva de prêmios, consistindo largamente de comida. Todo ano, o Capitol mostrará ao distrito vencedor presentes como grãos e óleo e mesmo delicadezas como açúcar enquanto o resto de nós batalha contra a fome.
“É tanto uma hora de penitência como uma hora de arrependimento,” entoa o prefeito.
Então ele lê uma lista de antigos vitoriosos do Distrito 12. Em setenta e quatro anos, nós tivemos exatamente dois. Apenas um ainda está vivo. Haymitch Abernathy, um homem barrigudo de meia-idade, que nesse momento aparece gritando algo ininteligível, cambaleia para o palco, e cai na terceira cadeira. Ele está bêbado. Muito. A multidão responde com aplausos simbólicos, mas ele está confuso e tenta dar em Effie Trinket um grande abraço, ao qual ela mal consegue defender-se.
O prefeito parece aflito. Desde que tudo isso está sendo emitido através de televisão, agora mesmo o Distrito 12 é o alvo de riso de Panem, e ele sabe disso. Ele rapidamente tentar puxar a atenção de volta à colheita introduzindo Effie Trinket. Brilhante e espumante como sempre, Effie Trinket trota para o pódio e dá sua assinatura, “Feliz Hunger Games! E que as chances estejam sempre ao seu favor!” Seu cabelo rosa deve ser uma peruca porque seus cachos tinham se deslocado levemente do centro desde que ela encontrou com Haymitch. Ela vai um pouco sobre que honra é estar aqui, embora todos saibam que ela está apenas se doendo para ir a um distrito melhor onde eles tenham vitoriosos apropriados, não bêbados que molestam você na frente de uma nação inteira.
Através da multidão, eu localizo Gale olhando de trás para mim com uma sombra de um sorriso. Enquanto a colheita vai, esse pelo menos tem um fator de entretenimento. Mas de repente eu estou pensando em Gale e seus quarenta e dois nomes dentro daquele grande globo e como as chances não estão ao seu favor. Não comparado a muitos garotos. E talvez ele esteja pensando a mesma coisa porque o rosto dele escureceu e ele se virou. “Mas ainda há milhares de papéis,” eu desejei poder sussurrar isso para ele.
É a hora do sorteio. Effie Trinket diz como ela sempre faz, “Damas primeiro!” e cruzou o globo de vidro com os nomes das garotas. Ela chegou, empurrou sua mão fundo no globo, e puxa pra fora uma tira de papel. A multidão prende em uma respiração coletiva e então você pode escutar um alfinete cair, e eu estou me sentido com náuseas, e desesperadamente desejando que não fosse eu, que não fosse eu, que não fosse eu.
Effie Trinket atravessa o pódio, alisa o pedaço de papel, e lê o nome numa voz clara. E não é eu.
É Primrose Everdeen. 

Jogos Vorazes Capitulo 25



Mutações. Sem dúvidas sobre isso. Eu nunca tinha visto esses cães, mas eles não são animais nascidos naturalmente. Eles lembram lobos enormes, mas lobos se equilibram sobre as patas traseiras? Lobos acenam para o resto do bando com a pata dianteira como se tivesse um pulso? Essas coisas eu posso ver a distância. De perto, tenho certeza de que mais atributos ameaçadores serão revelados.
Cato correu em linha direta para a Cornucópia, e sem perguntas eu o segui. Se ele pensa que é o lugar mais seguro, que sou eu para discutir? Além disso, mesmo que eu conseguia correr para a floresta, seria impossível para Peeta fazer esse caminho com aquela perna – Peeta!
Minhas mãos tinham acabado de tocar o metal da cauda pontuda da Cornucópia quando eu me lembro de que sou parte de um time. Ele está uns quinze metros atrás de mim, coxeando o mais rápido que consegue, mas os cães estão se aproximando rapidamente. Atirei uma flecha no bando e um cai, mas há muitos outros para tomar seu lugar.
Peeta está acenando para eu subir o chifre, “Vá, Katniss! Vá!”
Ele está certo. Não posso proteger nenhum de nós no chão. Começo a subir, escalando a Conucópia com minhas mãos e meus pés. A superfície de ouro puro foi desenhada para lembra o chifre curvado que nós enchemos na colheita, então há pequenas pontas e fendas para conseguir se agarrar de maneira decente. Mas depois de um dia sob o sol da arena, o metal está quente o bastante para queimar minhas mãos.
Cato está deitado no topo do chifre, sete metros acima do chão, lutando para recuperar o fôlego enquanto ele vomita sobre a ponta. Agora é a minha chance de acabar com ele. Paro no meio do caminho para cima do chifre e carrego outra flecha, mas quando estou quase deixando-a voar, ouço Peeta gritar. Eu me viro e vejo que ele acabou de alcançar a cauda, e os cães estão logo em sua cola.
“Suba!” grito. Peeta começa a subir atrasado não apenas pela sua perna, mas pela faca na sua mão. Atiro uma flecha na garganta do primeiro mutante que chega ao metal. Enquanto morre a criatura ataca, descuidosamente abrindo cortes em alguns de seus companheiros. É quando eu olho para as garras. Dez centímetros e claramente bem afiadas.
Peeta alcança meus pés e eu agarro seu braço e o puxo para cima. Então eu me lembro de Cato esperando no topo e me viro, mas ele está dobrado com câimbras e mais preocupado com os cães do que conosco. Ele fala algo ininteligível. O som de aspiração e rosnados vindo dos cães não está ajudando.
“O quê?!” Grito para ele.
“Ele disse, ‘Eles podem subir?’” responde Peeta, levando a minha atenção de volta para a base do chifre.
Os cães estão começando a se reunir. Enquanto eles se juntam, eles se levantam novamente para facilmente ficar de pé sobre suas patas traseiras, dando a eles um aspecto assustadoramente humano. Cada um tem uma pele grossa, alguns com o pelo liso, outros ondulados, e as cores variam de preto até o que posso descrever como loiro. Há algo neles, algo que faz os cabelos na minha nuca se arrepiarem, mas não posso dizer o quê.
Eles colocam seus focinhos no chifre, cheirando e provando o metal, colocando as patas sobre a superfície e fazendo sons agudos com a outra. Deve ser assim como eles se comunicam, porque o bando recua como se aguardasse. Então um deles, um cão de bom tamanho com pelos loiros macios e ondulados começa a comer e pula no chifre. As patas traseiras devem ser incrivelmente poderosas, porque elas chegam a meros três metros abaixo de nós, seus lábios rosados se repuxando para um ranger de dentes. Por um momento a coisa fica lá, e naquele momento percebo que o que me deixa incomodada nesses cães. Os olhos verdes brilhando para mim não são de nenhum cão ou lobo, nenhum canino que eu tenha visto.
Eles não inconfundivelmente humanos. E essa revelação mal é registrada quando percebo a coleira com o número 1 incrustado com jóias e o horror daquilo me atinge. O cabelo loiro, os olhos verdes, o número... é Glimmer.
Um som agudo escapa dos meus lábios e tenho problemas para segurar a flecha no lugar. Eu estive esperando por fogo, apenas consciente demais do meu suprimento diminuído de flechas. Esperando ver se as criaturas podiam, de fato, subir. Mas agora, mesmo quando o cão começou a deslizar para trás, incapaz de encontrar algum apoio no metal, mesmo quando eu posso ouvir o lento rangido das garras como unhas no quadro, eu atiro em sua garganta. O seu corpo se debate e cai no chão com uma pancada.
“Katniss?” Posso sentir o aperto de Peeta no meu braço.
“É ela!” grito.
“Quem?” pergunta Peeta.
Minha cabeça gira de lado a lado enquanto examino o bando, tomando os vários tamanhos e cores. O pequeno com pele vermelha e olhos cor de âmbar... Foxface! E ali, o cabelo pálido e olhos castanho-esverdeados do garoto do Distrito 9 que morreu quando nós lutamos pela mochila! E, pior o tudo, o menor cão, com pelo preto lustroso, grandes olhos castanhos e uma coleira onde se lê 11 entalhado. Mostrando os dentes com ódio. Rue...
“O que é, Katniss?” Peeta balança meu ombro.
“São eles. Todos eles. Os outros. Rue e Foxface e... todos os outros tributos,” eu sufoco.
Ouço Peeta arfar em reconhecimento. “O que eles fizeram a eles?Você não acha... que esses podem ser os olhos deles de verdade?”
Os olhos deles são o que menos me preocupa. E os cérebros deles? Eles têm alguma memória dos tributos reais? Eles foram programados para odiar nossos rostos particularmente porque nós sobrevivemos e eles foram insensivelmente assassinados? E os que nós matamos de verdade... eles acreditam que estarão vingando suas mortes?
Antes que eu consiga pensa nisso, os cães começam um novo assalto ao chifre. Eles se dividiram em dois grupos nos lados no chifre e estão usando aquelas traseiras poderosas para subirem. Um par de dentes de fecham a centímetros da minha mão e então ouço Peeta gritar, sinto o balanço do seu corpo, o peso pesado do garoto e cão puxando-me para o lado. Se não fosse pelo suporte do meu braço, ele estaria no chão, mas enquanto a coisa está aqui em cima, toma toda a minha força para nos manter na curva de trás do chifre. E mais tributos estão vindo.
“Mate, Peeta! Mate!” Estou gritando, e embora não possa ver exatamente o que está acontecendo, sei que ele deve ter escaqueado a coisa porque o aperto fica mais leve. Sou capaz de puxá-lo de volta para o chifre onde nós nos agarramos em direção ao topo, onde nos aguarda dois males menores.
Cato ainda não está de pé, mas sua respiração está mais lenta e sei que em breve ele vai se recobrar o bastante para vir atrás de nós, para nos lançar para a morte. Eu armo meu arco, mas a flecha acaba indo para um cão que só pode ser Thresh. Quem mais pularia não talto? Sinto um momento de alívio porque finalmente estamos acima da linha dos cães e eu acabo de me virar para encarar Cato quando Peeta dá um solavanco ao meu lado. Tenho a certeza de que o bando o pegou quando seu sangue respinga no meu rosto.
Cato está na minha frente, quase no extremo do chifre, segurando Peeta com uma gravata, cortando seu ar. Peeta está arranhando o braço de Cato, mas fracamente, como se estivesse confuso sobre se é mais importante respirar ou tentar conter o jorro de sangue que sai do buraco que um cão deixou na sua panturilha.
Eu miro um das minhas duas últimas flechas na cabeça de Cato, sabendo que não teria nenhum efeito se fosse no seu tronco ou nos membros, que posso ver agora que estão cobertos por um piro de roupa, uma malha cor de carne. Alguma armadura de ótima qualidade do Capitol. Era isso que estava no seu saco no banquete? Armadura para se defender contra minhas flechas? Bem, eles se esqueceram de mandar uma proteção para o rosto.
Cato apenas ri. “Atire em mim e ele cai comigo.”
Ele está certo. Se eu atirar nele e ele cair sobre os cães, é certo que Peeta vai morrer com ele. Chegamos a um beco sem saída. Não posso atirar em Cato sem matar Peeta, também. Ele não pode matar Peeta sem a garantia de uma flecha no seu cérebro. Ficamos parados como estátuas, procurando por uma saída.
Meus músculos estão tão tensos que parecem que vão se quebrar a qualquer momento. Meus dentes estão cerrados duramente. Os cães ficaram quietos e a única coisa que posso ouvir é o sangue batendo no meu ouvido bom.
Os lábios de Peeta estão ficando azuis. Se eu não fizer algo rapidamente, ele vai morrer de asfixia e então eu o perderei e Cato provavelmente vai usar seu corpo como uma arma contra mim. Na verdade, tenho certeza de que esse seja o plano de Cato, porque quando ele pára de rir, seus lábios formam um sorriso triunfante.
Como se fosse seu último esforço, Peeta levanta seus dedos, pingando sangue de sua perna, até o braço de Cato. Em vez de tentar se livrar do aperto, seus dedos mudam de direção e fazem um deliberado X sobre a parte de trás da mão de Cato. Cato percebe o que isso significa exatamente um segundo depois de mim. Posso dizer pelo modo como seu sorriso desapareceu de seus lábios. Mas é um segundo tarde demais porque, nessa hora, minha flecha está perfurando sua mão. Ele grita e por reflexo liberta Peeta, que bate contra ele. Por um momento terrível, penso que os dois vão cair. Eu corro para agarrar Peeta enquanto Cato perde o equilíbrio no chifre úmido de sangue e cai no chão.
Nós o ouvimos cair, o ar deixando seu corpo com o impacto, e então os cães o atacam. Peeta e eu nos abraçamos, esperando pelo canhão, esperando que a competição acabe, esperando sermos libertados. Mas isso não acontece. Não ainda. Porque esse é o clímax dos Hunger Games, e a audiência espera um show.
Eu não assisto, mas posso ouvir o ranger dos dentes, os rosnados, os uivos de dor tanto humano quanto de besta enquanto Cato avança sobre o bando de cães. Não posso entender como ele pode estar sobrevivendo até que me lembro da armadura o protegendo dos tornozelos até o pescoço e percebe como a noite pode ser longa. Cato deve ter uma faca ou uma espada ou alguma coisa, também, alguma coisa que ele tenha escondido nas suas roupas, porque de vez em quando há um grito de morte de um cão ou o som de metal quando lâminas colidem com o chifre de ouro. O combate continua ao lado da Cornucópia, e sei que Cato deve estar tentando fazer uma manobra que pode salvar a sua vida – voltar para a cauda do chifre e se reunir a nós. Mas no final, apesar das suas força e habilidade notáveis, ele é simplesmente derrotado.
Não sei quando tempo se passa, talvez uma hora ou mais, quando Cato cai no chão e ouvis os cães o agarrando, levando-o para dentro da Cornucópia. Agora vão acabar com ele, penso. Mas ainda não há nenhum canhão.
Cai a noite e o hino toca e não há nenhuma imagem de Cato no céu, apenas os gemidos fracos vindo do metal debaixo de nós. O ar gelado soprando pela planície me lembra de que os Games não acabaram e podem não acabar por sabe-se lá quanto tempo, e ainda não há garantia de vitória.
Viro minha atenção a Peeta e percebo que a perna dele está sangrando pior que nunca. Todos os nossos suprimentos, nossas mochilas, permaneceram embaixo perto do lago, onde nós os abandonamos quando corremos dos cães. Não tenho bandagens, nada para parar o fluxo de sangue da sua panturrilha. Embora eu esteja tremendo com o vento cortante, tiro minha jaqueta, removo minha blusa, e fecho minha jaqueta o mais rápido possível. Aquela prevê exposição faz com que meus dentes tremam além do meu controle.
O rosto de Peeta está pálido sob a luz da lua. Eu o faço deitar-se antes de sondar sua ferida. Sangue escorregadio e quente corre pelos meus dedos. Uma bandagem não é suficiente. Eu vi minha mãe amarrar um torniquete um punhado de vezes e tento replicá-lo. Corto uma manga da minha camisa, enrolo duas vezes ao redor da sua perna bem debaixo do seu joelho, e faço um nó. Eu não tenho uma vareta, então pego meu arco e insiro no nó, girando-o o mais apertado que ouso. É um negócio arriscado – Peeta pode acabar perdendo sua perna – mas quando eu peso isso com perder sua vida, que alternativa eu tenho? Eu enfaixo sua ferida com o resto da minha camisa e me deito ao seu lado.
“Não durma,” digo a ele. Não tenho certeza se isso é exatamente um protocolo médico, mas tenho medo de que, se ele durma, ele nunca irá acordar novamente.
“Você está com frio?” ele pergunta. Ele abre o zíper da sua jaqueta e me pressiono contra ele quando ele o fecha ao meu redor. É um pouco mais quente, dividir o calor dos nossos corpos dentro da minha dupla camada de jaquetas, mas é noite é uma criança. A temperatura vai continuar a cair.
Mesmo agora posso sentir a Cornucópia, que queimava quando eu subi pela primeira vez, lentamente virando gelo.
“Cato pode ganhar essa coisa ainda,” sussurro para Peeta.
“Não acredite nisso,” ele diz, puxando meu corpo, mas ele está tremendo mais do que eu.
As horas seguintes são as piores da minha vida, o que se você pensar bem significa muita coisa. O frio pode torturar o bastante, mas o pesadelo real é escutar Cato, gemendo, implorando, e finalmente apenas choramingando enquanto os cães trabalhavam nele. Depois de muito pouco tempo, eu não me importo mais com quem ele é ou o que ele fez, tudo que quero é que ele pare de sofrer.
“Por que eles apenas não o matam?” pergunto a Peeta.
“Você sabe por que,” diz, e me puxa mais para perto.
E eu sei. Nenhum telespectador daria as costas para o show agora. Do ponto de vista dos Gamemakers, essa é a última palavra em entretenimento.
E continua e continua e eventualmente consume completamente a minha mente, bloqueando memórias e esperanças de um amanhã, apagando tudo além do presente, que começo a acreditar que nunca vai mudar. Nunca haverá nada além de frio, medo e os sons agonizantes do garoto morrendo no chifre.
Peeta começa a dormir agora, e em cada vez que faz, eu me encontro gritando seu nome cada vez mais alto, porque se ele morrer agora, sei que provavelmente vou ficar completamente insana. Ele está lutando, provavelmente mais por mim do que por ele, e é difícil porque inconsciência seria uma forma própria de escapar. Mas a adrenalina que palpita pelo meu corpo nunca iria me permitir segui-lo, então não posso deixá-lo. Eu apenas não posso.
A única indicação da passagem do tempo estava no céu, o sutil movimento da lua. Então Peeta começa a apontá-lo para mim, insistindo que sei seu progresso e às vezes, por um momento, sinto um brilho de esperança antes que a agonia da noite me engula novamente.
Finalmente, ouço-o sussurrar que o sol está subindo. Abro meus olhos e encontro estrelas desaparecendo na luz pálida do amanhecer. Posso ver, também, como o rosto de Peeta se tornou pálido. Como o pouco o tempo que ele tem. E sei que tenho de levá-lo de volta para o Capitol.
Ainda assim, o canhão não atira. Pressiono meu ouvi bom contra o chifre e posso ouvir a voz dele.
“Acho que ele está mais perto agora. Katniss, você pode atirar nele?” Peeta pergunta.
Se ele estiver perto da boca, posso ser capaz. Seria um ato de misericórdia a esse ponto.
“Minha última flecha está no seu torniquete,” digo.
“Faça-o valer,” diz Peeta, abrindo o zíper da sua jaqueta, deixando-me livre.
Então eu tiro a flecha, tentando colocar o torniquete de volta o mais apertado que meus dedos congelados são capazes. Esfrego minhas mãos, tentando ganhar circulação. Quando eu rastejo até o extremo do chifre e fico na ponta, sinto as mãos de Peeta me dando suporte.
Leva alguns momentos para encontrar Cato na luz turva, no sangue. Então a massa de carne crua que costumava ser nosso inimigo faz um som, e sei onde sua boca está. E acho que o que ele está tentando dizer é por favor.
Pena, não vingança, manda a flecha até seu crânio. Peeta me puxa de volta, arco na mão, bainha vazia.
“Você conseguiu?” ele sussurra.
O tiro do canhão é a resposta.
“Então ganhamos, Katniss,” ele diz de forma vazia.
“Viva para nós,” solto, mas não há o prazer de vitória na minha voz.
Um buraco se abre na planície como se fosse combinado, o restante dos cães entram nele, desaparecendo como se a terra se fechasse acima deles.
Nós esperamos pelo aerobarco para tomar os restos de Cato, pelas trombetas da vitória que deveriam se seguir, mas nada acontece.
“Hey!” grito para o ar. “O que está acontecendo?” a única resposta é a vibração dos pássaros acordando.
“Talvez seja o corpo. Talvez tenhamos de nos distanciar,” diz Peeta.
Tento me lembrar. Você tem de se distanciar do tributo morto na morte final? Meu cérebro está muito confuso para ter certeza, mas qual seria a outra razão para a demora?
“Ok. Acha que pode conseguir chegar até o lago?” pergunto.
“Acho que é melhor tentar,” diz Peeta. Descemos pela causa do chifre e caímos no chão. Se a rigidez dos meus membros é assim ruim, como Peeta pode se mover? Eu me levanto primeiro, balançando e curvando meus braços e pernas até que acho que posso ajudá-lo a se levantar. De alguma forma, nós chegamos ao lago. Eu dou um punhado de água gelada para Peeta e tragoo o segundo para mim.
Um mockingjay dá um assobio longo e baixo, e lágrimas de alívio enchem meus olhos quando o aerobarco aparece e leva o corpo de Cato. Agora eles vão no levar. Agora podemos ir para casa.
Mas novamente não há nenhuma resposta.
“O que eles estão esperando?” diz Peeta fracamente. Entre a perda do torniquete e o esforço de andar até o lago, sua ferida se abriu novamente.
“Eu não sei,” digo. Seja o que for, não posso vê-lo perder mais sangue. Eu me levanto para encontrar um pedaço de pau, mas quase imediatamente encontro a flecha que ricocheteou na armadura de Cato. Isso acontece com a outra flecha. Quando eu me inclino para pegá-las, a voz de Claudius Templesmith explode na arena.
“Saudações aos finalistas do septuagésimo quarto Hunger Games. A mudança anterior foi revogada. Uma análise mais atenta às regras revelou que apenas um vencedor está autorizado,” diz. “Boa sorte e que as chances estejam em seu favor.”
Há um pequeno barulho de estática e então nada mais. Eu fito Peeta com descrença enquanto a verdade começa a fazer sentido. Eles nunca tiveram a intenção de deixar nós dois vivos. Isso tudo foi planejado pelos Gamemakers para garantir o confronto mais dramático da história. E como uma tola, caí nessa.
“Se você pensar bem, isso não é uma surpresa,” ele diz suavemente. Observo como ele dolorosamente consegue ficar de pé. Então ele está andando na minha direção, como se fosse em câmera lenta, sua mão está puxando a faca do seu cinto –
Antes que eu esteja consciente das minhas ações, meu arco está carregado com a flecha apontada para o seu coração. Peeta levanta suas sobrancelhas e vejo que a faca já não está mais em sua mão, e sim caiu na água. Deixo minha arma cair e dou um passo para trás, meu rosto queimando em o que só pode ser vergonha.
“Não,” diz. “Faça.” Peeta manca em minha direção e coloca a arma de volta às minhas mãos.
“Não posso,” digo. “Não vou.”
“Faça. Antes que eles mandem aqueles mutantes de volta ou algo do tipo. Não quero morrer como Cato,” ele diz.
“Então você atira em mim,” digo furiosa, empurrando a arma de volta para ele. “Você atira em mim e vai para casa e viva com isso” E quando eu digo, sei que a morte agora mesmo seria mais fácil que viver com isso.
“Você sabe que eu não posso,” Peeta diz, jogando fora a arma. “Ótimo, vou primeiro, de qualquer forma.” Ele se inclina para baixo e retira sua bandagem, eliminando a barreira final entre seu sangue e a terra.
“Não, você não pode se matar,” digo. Estou de joelhos, cobrindo desesperadamente a bandagem sobre sua ferida.
“Katniss,” ele diz. “É o que eu quero.”
“Você não vai me deixar aqui sozinha,” digo. Porque se ele morrer, eu nunca irei para casa, nunca realmente. Vou passar o resto da minha vida nessa arena tentando pensar na minha saída.
“Escute,” ele diz me puxando para eu ficar de pé. “Nós dois sabemos que eles precisam ter um vencedor. E só pode ser um de nós. Por favor, faça isso. Por mim.” E ele começa a falar o quanto me ama, o que a vida seria sem mim, mas eu parei de escutar porque suas palavras anteriores estão presas na minha cabeça, girando desesperadamente.
Nós dois sabemos que eles precisam ter um vencedor.
Sim, eles precisam ter um vencedor. Sem um vencedor, toda a coisa seria jogada na cara dos Gamemakers. Eles teriam falhado com o Capitol. Possivelmente seriam executados, lenta e dolorosamente, enquanto as câmeras exibiriam cara imagem em todo o país.
Se Peera e eu morrêssemos, eu eles pensassem que iríamos morrer...
Meus dedos se atrapalham com a bolsa no meu cinto, soltando-a. Peeta vê e suas mãos agarram meu pulso. “Não, não vou te deixar.”
“Confie em mim,” sussurro. Ele segura meu olhar por um longo tempo antes de me solta. Eu solto a parte superior da bolsa e coloco um punhado de bagas na sua mão. Então encho a minha. “No três?”
Peeta se inclina para baixo e me beija uma vez, muito gentilmente. “No três,” diz.
Ficamos de pé, costas contra costas, nossas mãos vazias apertando uma a do outro.
“Mostre-os. Quero que todos vejam,” diz.
Eu entendo meus dedos, e as bagas escuras brilham ao sol. Dou um último aperto na mão de Peeta como um sinal, ou um adeus, e começamos a contar. “Um.” Talvez eu esteja errada. “Dois.” Talvez eles não se importem se nós morrêssemos. “Três!” É tarde demais para mudar de idéia. Levanto minha mão para minha boca, lançando um último olhar para o mundo. AS bagas acabam de passar pelos meus lábios quando as trombetas começam a tocar.
A voz frenética de Claudius Templesmith grita acima delas. “Parem! Parem! Damas e cavalheiros, tenho o prazer de apresentar os vencedores dos septuagésimo quarto Hunger Games, Katniss Everdeen e Peeta Mellark! Dou-lhes – os tributos do Distrito Doze!” 

Jogos Vorazes Capitulo 26



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Eu cuspi as pagas da minha boca, limpando minha língua com a ponta da minha camisa para ter certeza de que nenhum suco permaneça. Peeta me puxa para o lago onde nós dois limpamos nossas bocas com água, e então caímos um nos braços do outro.
“Você não engoliu nada?” pergunto a ele.
Ele balança a cabeça. “Você?”
“Acho que estaria morta agora se tivesse,” digo. Posso ver seus lábios se movendo em resposta, mas não posso escutá-lo acima do rugido da multidão no Capitol que está tocando ao vivo pelos autofalantes.
O aerobarco se materializa acima de nossas cabeças e duas escadas caem, só que não há chance de eu deixar Peeta. Eu mantenho um braço ao redor dele enquanto o ajudo a subir, e nós dois colocamos um pé no primeiro degrau da escada. A corrente elétrica nos congela no lugar, e dessa vez estou satisfeita porque não tenho certeza de que Peeta pode subir o resto da escada. E visto que meus olhos estão olhando para baixo, posso ver que enquanto nossos músculos estão imóveis, nada está impedindo que o sangue seja drenado da perna de Peeta. Como previsto, no minuto em que a porta se fecha atrás de nós e a corrente pára, ele cai no chão inconsciente.
Meus dedos ainda estão agarrando a parte de trás de sua jaqueta são fortemente que quando o levam fica um punhado de tecido preto na minha mão. Médicos num branco estéril, com máscaras e luvas, já preparados para operar, entram em ação. Peeta está tão pálido e imóvel na mesa de prata, tubos e fios brotam dele de todas as maneiras, e por um momento me esqueço de que estamos foram dos Games e vejo os médicos como mais uma ameaça, mais um grupo de mutts designados a matá-lo. Petrificada, eu corro até ele, mas sou pega e jogada em outro quarto, e uma porta de vidro se fecha entre nós. Eu bato o vidro, gritando. Todos me ignoram exceto um atendente do Capitol que aparece atrás de mim e me oferece uma bebida.
Eu caio no chão, meu rosto contra a porta, encarando sem compreender a taça na minha mão. Suco gelado de laranja, com um canudo enfeitado. Quão errado parece na minha mão suja e cheia de sangue com unhas imundas e cicatrizes. Fico com água na boca com o cheiro, mas o coloco cuidadosamente no chão, não confiando em algo tão limpo e bonito.
Através do vidro, vejo os médicos trabalhando com ardor em Peeta, suas rostos vincados em concentração. Vejo o fluxo de líquidos, extraídos pelos tubos, observo a parede de indicadores e luzes que significam nada para mim. Não estou certa, mas acho que o coração dele parou duas vezes.
É como estar em casa de novo, quando eles trazem uma pessoal irremediavelmente mutilada de uma explosão da mina, ou uma mulher em seu terceiro dia de trabalho de parto, ou uma criança faminta lutando contra a pneumonia e minha mãe e Prim, elas usam essa mesma expressão em seus rostos. Agora é a hora de correr para a floresta, para se esconder nos bosques até que o paciente tenha se ido há algum tempo e em outra parte de Seam os carpinteiros fazem o caixão. Mas estou presa aqui tanto pelas paredes do aero-barco como pela mesma força que mantém os entes queridos da morte. Quantas vezes eu os vi, andando ao redor da nossa mesa da cozinha e eu pensava, Por que eles não vão embora? Por que eles ficam para assistir?
E agora eu sei. É porque você não tem escolha.
Eu me assusto quando pego alguém me encarando a apenas alguns centímetros de distância e então percebe que é meu próprio rosto sendo refletido pelo vidro. Olhos selvagens, bochechas encovadas, meu cabelo emaranhado. Violenta. Selvagem. Louca. Sem dúvidas todos estão a uma distância segura de mim.
A próxima coisa que sei é que estamos pousando no teto do Centro de Treinamento e eles estão levando Peeta, mas me deixando atrás da porta. Eu começo a me atirar contra o vidro, gritando e eu acho que pego um relance se um cabelo rosa – deve ser Effie, tem de ser Effie vindo me resgatar – quando sou picada por uma agulha pelas costas.
Quando acordo, temo me mover a princípio. Todo o teto brilha com uma luz amarela suave, permitindo que eu veja que estou num quanto que contem apenas minha cama. Sem portas, sem janelas visíveis. O ar tem um odor de algum picante e anti-séptico. Meu braço direito tem alguns tubos que se estendem através da parede atrás de mim. Estou nua, mas as roupas de cama são suaves contra minha pele. Eu temporariamente levanto minha mão esquerda acima da coberta. Não foi apenas limpa, minhas unhas estão perfeitamente ovais, as cicatrizes de queimaduras estão menos proeminentes. Toco minha bochecha, meus lábios, a cicatriz enrugada acima da minha sobrancelha, e estou apenas correndo meus dedos através do meu cabelo sedoso quando congelo. Com apreensão, despenteio o cabelo acima de meu ouvido esquerdo. Não, não foi uma ilusão. Posso ouvir novamente.
Tento me sentar, mas algum tipo de larga tira de retenção ao redor da minha cintura me impede de me levantar mais que alguns centímetros. O confinamento físico me deixa em pânico e tento me levantar e livrar meus quadris através da tira quando uma porção de parede se abre e entra a Avox ruiva carregando uma bandeja. Vê-la me acalma e paro de tentar escapar. Quero fazer a ela um Milão de perguntas, mas temo que alguma familiaridade cause algum dano a ela. Obviamente estou sendo monitorada de perto. Ela coloca a bandeja sobre minhas coxas e pressiona algo que me eleva para a posição sentada. Enquanto ela ajusta meus travesseiros, arisco uma pergunta. Digo alto, tão claro quando minha voz enferrujada permita, assim nada pareça ser um código. “Peeta conseguiu?” Ela assente para mim, e quando desliza uma colher na minha mão, sinto uma pressão de amizade.
Acho que ela não queria que eu morresse, apesar de tudo. E Peeta conseguiu. Claro que conseguiu. Com todos esses equipamentos caros aqui. Ainda assim, não tinha certeza até agora.
Quando a Avoz sai, a porta se fecha silenciosamente atrás dela e me viro faminta para a bandeja. Uma tigela de caldo, uma pequena porção de maçã, e um copo de água. É isso? Penso, irritada. Meu jantar de retorno a casa não deveria ser um pouco mais espetacular? Mas descubro que é um esforço terminar a refeição ante a mim. Meu estômago parece ter uma contração do tamanho de um cavalo, e tenho de imaginar quanto tempo estive fora, porque não tive problemas em comer um café da manhã de um tamanho razoável naquela última manhã na arena. Há geralmente um intervalo de poucos dias entre o fim da competição e a apresentação do vencedor, para que eles possam colocar a pessoa faminta, ferida e acabada de volta ao normal. Em algum lugar, Cinna e Portia estarão criando nossas vestes para as aparições públicas. Haymitch e Effie estarão arranjando o banquete para nossos patrocinadores, revisando as perguntas para nossa entrevista final. De volta a casa, o Distrito 12 provavelmente está um caos enquanto eles tentam organizar celebrações de boas vindas para mim e para Peeta, dado que a última celebração desse tipo foi há quase trinta anos.
Casa! Prim e minha mãe! Gale! Até a lembrança do gato velho e imundo de Prim me trás um sorriso. Em bree estarei em casa!
Quero sair dessa cama. Para ver Peeta e Cinna, para descobrir mais sobre o que está acontecendo. E por que eu não deveria? Estou bem. Mas quando eu tento começar meu caminho fora da tira, sinto um líquido frio entrando na minha veia de um dos tubos e quase imediatamente perco a consciência.
Isso continua a acontecer por uma quantia indeterminada de tempo. Eu acordando, comendo, e, embora resista ao impulso de tentar escapar da cama, sendo nocauteada novamente. Pareço estar num crepúsculo contínuo e estranho. Registrando apenas algumas coisas. A Avox ruiva que não retornou desde a alimentação, minhas cicatrizes desaparecendo, e eu estou imaginando? Ou realmente ouço a voz de um homem gritando Não com o sotaque de Capitol, mas com o ritmo áspero de casa. E não posso evitar ter uma vaga e confortante sensação de que alguém está cuidando de mim.
Então finalmente, a hora chega quando eu acordo e não há nada enviado no meu braço direito. A restrição ao redor da minha cintura foi retirada e estou livre para me mover. Começo a me sentar, mas estou presa pela visão das minhas mãos. A perfeição da pele, macia e brilhante. Não só as cicatrizes da arena se foram, como também aquelas que foram acumuladas ao longo dos anos caçando tinham sumido sem deixar rastro. Minha testa parecia cetim, e quando tento encontrar a queimadura na minha panturrilha, não há nada.
Deslizo minhas pernas para fora da cama, nervosa por não saber se elas iriam suportar meu peso, mas elas estão portes e firmes. Situado ao pé da cama há um traje que me faz hesitar. É o que todos nós, tributos, usamos na arena. Olho para ele como se ele tivesse dentes até eu me lembrar de que, é claro, isso é o que vou usar para cumprimentar minha equipe.
Estou vestida em menos de um minuto e inquieta defronte para a parede onde sei que há uma porta, mesmo que eu não possa vê-la, quando de repente ela se abre. Entro num corredor amplo e deserto que não parecia ter portas. Mas deve ter. E atrás de uma delas deve estar Peeta. Agora que estou consciente e me movendo, fico mais e mais ansiosa por causa dele. Ele deve estar bem ou então a Avox não teria dito aquilo. Mas preciso vê-lo por mim mesma.
“Peeta!” grito, já que não há ninguém para perguntar. Ouço meu nome em resposta, mas não é a voz dele. É uma voz que me provoca primeiro irritação e depois entusiasmo. Effie.
Eu me viro e vejo todos eles esperando numa grande sala ao fim do corredor – Effie, Haymitch, e Cinna. Meus pés se movem sem hesitação. Talvez um vencedor deveria mostrar mais moderação, mais superioridade, especialmente quando ela sabe que isso estará na gravação, mas não me importo. Corro para eles e me surpreendo quando me lanço nos braços do Haymitch primeiro. Quando ele sussurra no meu ouvido, “Bom trabalho, querida,” não soa sarcástico. Effie está a beira das lágrimas e fica tocando no meu cabelo e falando sobre como ela disse para todos que nós éramos pérolas. Cinna apenas me abraça com força e não fiz nada. Então percebo que Portia está ausente e sento um mai pressentimento.
“Onde está Portia? Ela está com Peeta? Ele está bem, não está? Quero dizer, ele está vivo?” Eu falo sem pensar.
“Ele está ótimo. Só que elas querem que vocês se encontrem apenas na cerimônia,” diz Haymitch.
“Ah. É isso,” digo. O momento terrível pensando na morte de Peeta passa. “Acho que queria vê-lo por mim mesma.”
“Vá com Cinna. Ele tem de te deixar pronta,” diz Haymitch.
É um alívio estar sozinha com Cinna, sentir meu braço protetor ao redor dos meus ombros quando ele me leva para longe das câmeras, por algumas passagens e para um elevador que vai até o corredor do Centro de Treinamento. O hospital é muito mais abaixo, até abaixo do ginásio onde os tributos praticaram amarrando cordas e atirando lanças. As janelas do corredor estão escuras, e um punhado de guardas está em serviço. Ninguém mais está lá para nos ver entrar no elevador dos tributos. Nossos passos ecoam no vazio. E quando subimos para o décimo segundo andar, os rosto de todos os tributos que nunca retornarão passam pela minha cabeça e há um peso no meu peito.
Quando as portas do elevador se abrem, Venia, Flavius e Octavia me engolem, falando tão rapidamente e com êxtase que não posso acompanhar suas palavras. O sentimento está claro, porém. Eles estão verdadeiramente excitados por me ver e estou feliz por vê-los, também, embora não como eu estava quando vi Cinna. É mais na forma como alguém ficaria feliz de ver um trio de animaizinhos ao fim de um dia particularmente difícil.
Eles me levaram a uma sala de jantar e tive uma refeição de verdade – bife assado, ervilhas e pãezinhos – embora minhas porções ainda estivessem sendo bem controladas. Porque quando eu pedi o segundo prato, levei um não.
“Não, não, não. Eles não querem que você vomite tudo no palco,” diz Octavia, mas secretamente ela desliza um pãozinho extra sob a mesa para eu saber que ela estava do meu lado.
Voltamos para o meu quarto e Cinna desaparece por um momento enquanto a equipe me deixa pronta.
“Ah, eles cuidaram do seu corpo inteiro,” diz Flavius com inveja. “Nem uma falha foi deixada na sua pele.”
Mas quando olho para meu corpo nu refletido no espelho, tudo que posso ver é o quão magra estou. Quero dizer, tenho certeza de que eu estava pior quando saí da arena, mas posso facilmente contar minhas costelas.
Eles cuidam das configurações do chuveiro para mim, e vão trabalhar no meu cabelo, unhas e maquiagem quando eu termino o banho. Eles tagarelam tão continuamente que quase não tenho de responder, o que é bom, visto que não sou muito faladora. É divertido, porque embora eles estejam falando sobre os Games, é só sobre onde eles estavam ou o que eles estavam fazendo ou como eles se sentiram quando um evento específico aconteceu. “Eu ainda estava na cama!” “Eu tinha acabado de pintar o meu cabelo!” “Juro que eu quase desmaiei!” Tudo é sobre eles, não sobre garotos e garotas morrendo na arena.
Nós não chafurdamos em torno dos Games dessa maneira no Distrito 12. Nós cerramos nossos dentes e assistimos porque devemos e tentamos voltar para nosso trabalho logo que eles acabam. Para não odiar a minha equipe, eu ignoro a maioria das coisas que eles dizem.
Cinna volta com o que parece ser um despretensioso vestido amarelo nos braços.
“Você desistiu de toda aquela coisa de ‘garota em chamas’?” pergunto.
“De fato,” ele diz, e o desliza pela minha cabeça. Imediatamente percebo o enchimento sobre meus seios, acrescentando curvas que a fome roubou do meu corpo. Minhas mãos vão ao meu peito e eu franzo as sobrancelhas.
“Eu sei,” diz Cinna antes que eu possa falar algo. “Mas os Gamemakers queriam alterar você cirurgicamente. Haymitch fez uma grande briga para evitar isso. Isso foi o prometido.” Ele me para antes que eu olhe para meu reflexo. “Espere, não se esqueça dos sapatos.” Venia me ajuda a colocar um par de sandálias de couro baixas e me viro para o espelho.
Eu ainda sou a “garota em chamas”. O tecido brilha suavemente. Até o movimento de ar mais leve ondula pelo meu corpo. Em comparação, o traje da carruagem parece extravagante, o vestido da entrevista muito artificial. Nesse vestido, dou a ilusão de estar vestida à luz de velas.
“O que você acha?” pergunta Cinna.
“Acho que é melhor,” digo. Quando conseguido tirar meus olhos do tecido brilhante, tenho um choque. Meu cabelo está frouxo, preso num simples elástico. A maquiagem arredonda e preenche os ângulos magros do meu rosto. Um esmalte claro sobre minhas unhas. O vestido sem mangas se agarra às minhas costelas, e não à minha cintura, eliminando em grande quantidade a necessidade de enchimento no meu corpo. A bainha cai até meus joelhos. Sem saltos, você pode ser minha estatura. Eu pareço muito simples, como uma garota. Uma garota jovem. Quatorze anos, no máximo. Inocente. Inofensiva. Sim, é um choque que Cinna tenha imaginado isso quando você se lembra de que eu acabei de ganhar os Games.
Essa é uma aparência bem calculada. Nada que Cinna desenha é arbitrário. Mordo meu lábio tentando imaginar sua motivação.
“Pensei que seria algo mais... sofisticado,” digo.
“Eu achei que Peeta gostaria mais disso,” ele responde cuidadosamente.
Peeta? Isso não tem nada a ver com Peeta. Tem a ver com o Capitol, os Gamemakers e a audiência. Embora eu ainda não tenha entendido a idéia de Cinna, é um lembrete de que os Games ainda não terminaram. E debaixo da sua resposta agradável, sinto um aviso. De algo que ele não pode nem mencionar em frente a nossa própria equipe.
Tomamos o elevador para o nível onde fomos treinados. É costumeiro o vencedor e seu time de suporte subir de debaixo do palco. Primeiro a equipe, seguida pela escolta, o estilista, o mentor, e finalmente o vencedor. Apenas nesse ano, com dois vencedores que dividem a mesma escolta e o mesmo mentor, toda a coisa tem de ser repensada. Eu me encontro numa área pouco iluminada debaixo do palco. Uma nova placa de metal foi instalada para nos levar para cima. Você ainda pode ver pequenas pilhas de serragem, cheirar a pintura fresca. Cinna e a equipe vestem seus próprios trajes e tomam suas posições, deixando-me sozinha. Na escuridão, vejo uma parece improvisada a uns dez metros e assumo que Peeta está do outro lado.
O barulho da multidão é alto, por isso não percebo Haymitch até ele me tocar no ombro. Dou um pulo, assustada, ainda meio na arena, acho.
“Calma, sou só eu. Deixe-me dar uma olhada em você,” Haymitch diz. Estendo meus braços e dou uma volta. “Bom o bastante.”
Isso não é muito um elogio. “Mas o quê?” digo.
Haymitch olha em volta do espaço mofado, e parece tomar uma decisão. “Mas nada. Que tal um abraço para dar sorte?”
Ok, esse é um pedido estranho para Haymitch, mas, depois de tudo, somos vencedores. Talvez um abraço para dar sorte seja regular. Mas, quando coloco meus braços ao redor do seu pescoço, encontro-me emboscada em seu abraço. Ele começa a falar, muito rápido, bem baixinho no meu ouvido, meu cabelo ocultando seus lábios.
“Escute. Vocês estão com problemas. Dizem que o Capitol está furioso por vocês se exibirem na arena. A única coisa que eles não podem suportar é ser alvo de piada por toda a Panem,” diz Haymitch.
Sinto medo me percorrer, mas dou uma risada como se Haymitch estivesse dizendo algo completamente deleitoso porque nada está cobrindo minha boca. “E agora?”
“A única defesa de vocês é que vocês estavam completamente apaixonados e não eram responsáveis pelos seus atos.” Haymitch se afasta e ajusta minha liga de cabelo. “Entendeu, querida?” Ele poderia estar falando sobre qualquer coisa agora.
“Sim,” digo. “Você disse isso a Peeta?”
“Eu não tenho de dizer,” diz Haymitch. “Ele já está.”
“Mas você acha que eu não estou?” digo, tomando a oportunidade para ajustar a brilhante gravata vermelha que Cinna deve tê-lo forçado a usar.
“Desde quando importa o que eu acho?” diz Haymitch. “Melhor tomar nossos lugares.” Ele me leva até o círculo metálico. “Essa é a sua noite, querida. Aproveite.” Ele beija minha testa e desaparece na escuridão.
Agarro minha saia, querendo que ela seja mais longa, querendo que ela cubra o tremor do meu joelho. Então percebo que é inútil. Todo o meu corpo está tremendo como uma folha. Esperançosamente, deve ser por causa da minha excitação. Afinal, essa é a minha noite. O cheiro úmido e mofado ameaça me sufocar debaixo do palco. Um suor frio e pegajoso brota da minha pele e não posso evitar sentir que as tábuas acima da minha cabeça vão desabar, enterrar-me viva sob o entulho. Quando deixei a arena, quando as trombetas tocaram, eu deveria estar salva. A partir de então. Pelo resto da minha vida.
Mas se o que Haymitch falou é verdade, e ele não tem razão para mentir, eu nunca estive em um lugar tão perigoso na minha vida.
É bem pior que ser caçada na arena. Ali, eu poderia apenas morrer. Fim da história. Mas aqui fora, Prim, minha mãe, Gale, as pessoas do Distrito 12, todo mundo com que eu me importo poderiam ser punidas se eu não conseguisse fingir ser a garota-completamente-apaixonada que Haymicth sugeriu.
Então eu ainda tenho uma chance, entretanto. Engraçado, na arena, quando eu peguei aquelas bagas, eu estava apenas pensando em enganar os Gamemakers, não em como minhas ações iriam refletir no Capitol. Mas os Hunger Games são a arma deles e você não deveria ser capaz de derrotá-la. Então agora o Capitol vai agir como se estivesse no controle o tempo todo. Como se eles tivessem orquestrado todo o evento, até o suicídio duplo. Mas isso só vai funcionar se eu fingir com eles.
E Peeta... Peeta vai sofrer, também, se isso sair errado. Mas o que Haymitch disse quando eu perguntei se ele tinha contato a Peeta a situação? Que ele tinha de fingir que estava desesperadamente apaixonado?
“Não tenho de dizer. Ele já está.”
Já pensando antes de mim nos Games novamente e consciente do perigo que corremos? Ou... já desesperadamente apaixonado? Não sei. Eu nem comecei a analisar meus sentimentos por Peeta. É muito complicado. O que eu fiz era parte dos Games. Como oposição ao que eu fiz por raiva do Capitol. Ou por causa do que seria visto no Distrito 12. Ou porque, simplesmente, era a única coisa decente a ser feita. Ou o que eu fiz porque me importava com ele.
Há questões a serem solucionadas quando voltar para casa, na paz e quietude da floresta, quando ninguém está observando. Não aqui como todos os olhos sobre mim. Mas não vou ter esse luxo por sabe-se lá quanto tempo. E agora, a parte mais perigosa dos Hunger Games está para começar.


Jogos Vorazes Capitulo 24



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Leva algum tempo para explicar a situação para Peeta. Como Foxface roubou a comida da pilha de suprimentos antes de eu explodi-la, como ela tentou tirar o bastante para ficar viva, mas não o suficiente para alguém notar, como ela não questionaria a natureza das bagas se nós estivéssemos preparando-nos para comê-las.
“Pergunto-me como ela nos encontrou,” diz Peeta. “Minha culpa, eu acho, se eu estava tão barulhento como você diz.”
Estávamos tão difíceis de seguir quanto um rebanho de gado, mas tento ser gentil. “E ela é esperta, Peeta. Bem, ela era. Até você superá-la.”
“Não de propósito. Não parece justo de forma alguma. Quero dizer, nós estaríamos mortos, também, se ela não tivesse comido as bagas antes.” Ele se corrige. “Não, claro, não estaríamos. Você as reconheceria, não?”
Assinto. “Nós as chamamos de fechos da noite.”
“Até o nome soa mortal,” diz. “Sinto muito, Katniss. Eu realmente pensei que elas pareciam as mesmas que você juntou.”
“Não se desculpe. Isso significa que estamos um passo mais perto de casa, certo?” pergunto.
“Vamos acabar com o resto,” Peeta diz. Ele recolhe uma folha de plástico azul, cuidadosamente colocando as bagas dentro, e vai jogá-las na floresta.
“Espera!” grito. Encontro a bolsa de couro que pertencia ao garoto de Distrito 1 e encho-a com punhados de bagas do plástico. “Se elas enganaram Foxface, talvez possam enganar Cato também. Se ele estiver nos caçando ou algo assim, podemos agir como se acidentalmente derrubamos a bolsa, e se ele as comer –”
“Então olá Distrito Doze,” Diz Peeta.
“Isso,” digo, prendendo a bolsa no meu cinto.
“Ele vai saber onde estamos agora,” diz Peeta. “Se ele estava em algum lugar por perto e viu o aerobarco, vai saber que nós a matamos e virá atrás de nós.”
Peeta está certo. Essa pode ser a oportunidade que Cato esteve esperando. Mas mesmo se corremos agora, há carne para cozinhar e nosso fogo vai ser outro sinal da nossa localização. “Vamos fazer fogo. Agora.” Começo a juntar ramos e galhos.
“Você está pronta para encará-lo?” Peeta pergunta.
“Estou pronta para comer. Melhor cozinhar nossa comida enquanto temos chance. Se ele souber que estamos aqui, ele sabe. Mas ele também sabe que há dois de nós e provavelmente assuma que estamos caçando Foxface. Isso significa que você se recuperou. E o fogo significa que não estamos nos escondendo, estamos convidando-o. Você se mostraria?” pergunto.
“Talvez não,” ele diz.
Peeta é um diabo com o fogo, tentando trazer chama da madeira úmida. Num piscar de olhos, tenho coelhos e esquilos torrando, as raízes, misturadas com folhas, cozinhando na brasa. Tomamos turnos de juntar verduras e vigiar por causa de Cato, mas como eu antecipei, ele não aparece.
Quando a comida está pronta, eu guardo a maior parte, deixando para nós a perna do coelho para comermos enquanto caminhamos.
Quero ir mais alto na floresta, subir uma boa árvore, e fazer acampamento para a noite, mas Peeta resiste. “Não posso subir como você, Katniss, especialmente com minha perna, e não acho que poderia dormir a quinze metros do chão.”
“Não é seguro ficar em aberto, Peeta,” digo.
“Não podemos voltar para a caverna?” ele pergunta. “É perto da água e fácil para se defender.”
Suspiro. Várias horas mais de caminhada – ou deveria dizer estrondo – através da floresta para chegar até a área que tivemos de deixar de manhã para caçar. Mas Peeta não pede por muito. Ele seguiu minhas instruções todo dia e tenho certeza de que, se fosse o contrário, ele não me faria passar a noite numa árvore. Percebo que não fui muito boa com Peeta hoje. Implicando com quão barulhento ele era, gritando com ele sobre desaparecer. O romance divertido que sustentamos na caverna desapareceu no aberto, sob o sol quente, com a ameaça de Cato sobre nós. Haymitch deve estar irritado comigo. E quanto à audiência...
Eu me estico e dou a ele um beijo. “Claro. Vamos voltar para a caverna.”
Ele parece satisfeito e aliviado. “Bem, essa foi fácil.”
Tiro minha flecha do carvalho, com cuidado para não danificar a ponta. Essas flehas são a comida, segurança, e vida por si só agora.
Jogamos um pouco mais de madeira no fogo. Isso deve lançar fumaça por mais algumas horas, embora eu duvide que Cato assuma alguma coisa a esse ponto. Quando chegamos ao riacho, vejo que a água tem diminuído consideravelmente e que se move num ritmo lento, então voltamos para ele. Peeta está feliz pelo favor e, visto que ele é muito mais silencioso na água que na terra, é uma boa idéia. É uma longa caminhada para a caverna, entretanto, mesmo descendo, mesmo com o coelho dos dando impulso. Ambos estamos exaustos pela marcha de hoje e ainda mal alimentados. Mantenho meu arco carregado, ambos para Cato e qualquer peixe que possa ver, mas o riacho para estranhamente vazio de criaturas.
Quando alcançamos nosso destino, nossos pés estão pesados e o sol desce no horizonte. Enchemos nossas garrafas de água e subimos a pequena inclinação para nosso esconderijo. Não é muito, mas fora daqui é uma imensidão, e isso é a coisa mais próxima que temos de uma casa. Será mais quente que uma árvore, também, porque provê algum abrigo do vento que começou a vir continuamente do oeste. Coloco um bom jantar, mas Peeta meio que começa a cochilar. Depois de dias de inércia, a caçada tomou seu pedágio. Mando-o ir para o saco de dormir e guardo o resto da sua comida para quando ele acordar. Ele dorme imediatamente. Puxo o saco de dormir até seu queixo e beijo sua testa, não para a audiência, mas para mim. Porque estou tão grata de ele ainda estar aqui, não morto no rio como eu pensei. Tão grata por não ter de encarar Cato sozinha.
O brutal e sanguinário Caro, que pode quebrar um pescoço com o giro de seu braço, que tem o poder de superar Thresh, que se destacou para mim desde o início. Ele provavelmente tem um ódio especial por mim desde quando o superei no treinamento. Um garoto como Peeta iria apenas encolher os ombros por isso. Mas tenho a sensação de que Cato levou a distração. O que não é difícil. Peno na sua ridícula reação ao encontrar os suprimentos explodidos. Os outros estavam irritados, é claro, mas ele estava completamente louco. Pergunto-me agora se Cato não é inteiramente são.
O céu se ilumina com o selo, e observo Foxface brilhar no céu e então desaparecer do mundo para sempre. Ele não disse, mas não acho que Peeta se sentiu bem a matando, mesmo sendo essencial. Não posso fingir que sinto falta dela, mas tenho de admirá-la. Acho que, se eles tivessem nos dado algum tipo de teste, ela teria sido a mais esperta de todos os tributos. Se, de fato, nós tivéssemos colocado uma armadilha para ela, aposto que ela teria percebido e fugido das bagas. Foi a própria ignorância de Peeta que a trouxe para baixo. Passou muito tempo tendo certeza de subestimar meus oponentes que esqueci que superestimá-los é tão perigoso quanto.
O que me trás de volta para Cato. Mas enquanto penso que compreendo Foxface, quem ela era e como ela operava, ele é um pouco mais escorregadio. Poderoso, bem treinado, mas espeto? Não sei. Não como ela era. E totalmente sem a falta de controle que Foxface demonstrava. Acredito que Cato pode facilmente perder seu julgamento com o ajuste de temperatura. Não que eu me sinta superior nesse ponto. Penso no momento em que mandei a flecha voando até a maçã na boca do porco quando estava tão irada. Talvez eu entenda Cato melhor do que penso.
Apesar da fadiga no meu corpo, minha mente está alerta, então deixo Peeta dormir mais que o usual. De fato, um suave dia cinzento começa quando balanço seu ombro. Ele olha, quase em alarme. “Eu dormi a noite toda. Isso não é justo, Katniss, você deveria ter me acordado.”
Eu me estico e entro na bolsa. “Vou dormir agora. Acorde-me se algo interessante acontecer.”
Aparentemente nada acontece, porque quando abro meus olhos, a luz gente e brilhante da tarde atravessa as pedras. “Nenhum sinal do nosso amigo?” pergunto.
Peeta balança a cabeça. “Não, ele está mantendo um preocupante perfil baixo.”
“Quando tempo você pensa que teremos antes que os Gamemakers nos una?” pergunto.
“Bem, Foxface morreu há quase um dia, então há deu tempo para a audiência fazer suas apostas e ficar entediada. Acho que pode acontecer a qualquer momento,” diz Peeta.
“Sim, tenho o pressentimento de que hoje é o dia,” digo. Sento-me e olho para o terreno pacífico. “Pergunto-me como eles vão fazer.”
Peeta permanece em silêncio. “Não há nenhuma boa resposta.
“Bem, até eles fazerem, não tem sentido perder tempo caçando hoje. Mas provavelmente iramos comer o que pudermos para o caso de acontecer problemas,” digo.
Peeta guarda nossas ferramentas enquanto preparo uma grande refeição. O resto dos coelhos, raízes, verduras, e pedaços com o último pedaço de queijo. A única coisa que deixo de reserva é o esquilo e a maçã.
Quando terminamos, tudo que resta é uma pilha de ossos do coelho. Minhas mãos estão engorduradas, o que faz crescer minha sensação de imundice. Talvez nós não temos banho diariamente em Seam, mas nos mantemos mais limpas do que isso. Exceto pelos meus pés, que andaram no riacho, estou coberta de uma camada de sujeira.
Deixar a caverna dá uma sensação de finalização. Não acho que haverá outra noite na arena de modo algum. De um modo ou outro, morta ou vida, tenho o pressentimento de que vou escapar hoje. Dou as rochas um tapinha de adeus, e vamos para o rio para nos lavar. Posso sentir minha pele, comichando com a água fria. Posso fazer meu cabelo e fazer uma trança. Estou me perguntando se devemos ser capaz de dar numa rápida esfregada nas nossas roupas quando chegamos ao riacho. Ou o que costumava ser um riacho. Agora há apenas uma cama de ossos secos. Toco o chão para senti-lo.
“Nem mesmo um pouco úmido. Eles devem ter drenado-o enquanto dormíamos.” Digo. Um medo de língua rachada, corpo dolorido e mente confusa trazida pela minha desidratação passada desliza na minha consciência. Nossas garrafas e peles estão bem cheias, mas com dois goles e nesse sol quente não vai levar muito tempo para acabá-las.
“A lagoa,” diz Peeta. “É para onde querem que nós nos dirijamos.”
“Talvez os lagos ainda tenham alguma água,” digo esperançosamente.
“Podemos verificar,” diz, mas ele está apenas me animando. Estou tentando me animar, porque sei o que encontrarei quando retornarmos para o lago onde molhei minha perna. A boca aberta e empoeirada de um buraco. Mas fazemos a viagem de qualquer jeito, apenas para confirmar o que nós já sabemos.
“Você está certo. Eles estão nos dirigindo para a lagoa,” digo. Onde não há cobertura. Onde eles garantiram uma luta sangrenta até a morte, como nada para bloquear sua visão. “Você quer direto ou esperar até a água acabar?”
“Vamos agora, enquanto temos comida e estamos descansados. Vamos logo terminar com isso,” ele diz.
Assinto. É divertido. Quase sinto como se fosse o primeiro dia dos Games novamente. Que eu estou na mesma posição. Vinte e um tributos estão mortos, mas ainda tenho de matar Cato. E realmente, ele não era aquele a matar? Agora parece que os outros tributos foram apenas pequenos obstáculos, distrações, afastando-nos da real batalha dos Games. Cato e eu.
Mas não, há um garoto esperando ao meu lado. Sinto seus braços ao meu redor.
“Dois contra um. Deve ser moleza,” diz.
“Na próxima vez que comermos, será em Capitol,” respondo.
“Pode apostar que sim,” diz.
Ficamos ali por um momento, presos num abraço, sentindo um ao outro, a luz do sol, o farfalhar das folhas aos nossos pés. Então sem uma palavra, nos separamos e caminhamos para a lagoa.
Não me importo agora que os passos de Peeta façam os roedores correrem, os pássaros voarem. Temos de lutar contra Cato e eu faria isso aqui ou na planície. Mas duvido que eu tenha escolha. Se os Gamemakers nos querem no aberto, então no aberto estaremos.
Paramos para descansar por uns momentos sob uma árvore onde os profissionais me emboscaram. A casca do ninho de tracker jacker, batida até a polpa pela chuva e secada pelo sol, confirma a localização. Toco-o com a ponta da bota, e ela se dissolve em poeira que é rapidamente carregada pela brisa. Não posso evitar olhar para as árvores onde Rue secretamente estava, esperando para salvar minha vida. Tracker jackers. O corpo inchado de Glimmer. As terríveis alucinações...
“Vamos,” digo, esperando escapar da escuridão que rodeia esse lugar. Peeta não discute.
Dado ao nosso início atrasado do dia, quando chegamos à planície já está no início da noite. Não há sinal de Cato. Nenhum sinal de nada, exceto a Corpucópia dourada brilhando nos raios de sol oblíquos. Só para garantir que Cato decidiu empurrar Foxface contra nós, circulamos a Cornucópia para ter certeza de que ela está vazia. Então obedientemente, como se seguindo instruções, andamos até a lagoa e enchemos nossos recipientes de água.
Franzo as sobrancelhas ao sol recuando. “Não queremos brigar com ele depois de escurecer. Há apenas um par de óculos.”
Peeta cuidadosamente coloca gotas de iodo na água. “Talvez seja isso que ele esteja esperando. O que você quer fazer? Voltar para a caverna?”
“Isso ou encontrar uma árvore. Mas vamos dar a ele mais meia hora. Então vamos recuar,” respondo.
Sentamos perto da lagoa, à vista. Não há como se esconder agora. Nas árvores no limite da planície, posso ver os mockingjays se movimentando. Jogando melodias de volta e adiante entre eles, como brilhantes bolas coloridas. Posso senti-los parar curiosos ao som da minha voz, escutando mais. Repito as notas no silêncio. Primeiro um mockingjay garganteia a canção de volta, e depois outro. Então todo o mundo se torna vivo com o som.
“Bem como sei pai,” diz Peeta.
Meus dedos encontram o alfinete na minha camisa. “É a música de Rue,” digo. “Acho que eles se lembram.”
A música cresce e eu reconheço o esplendor disso. Enquanto as notas se sobrepõem, uma complementando a outra, formando uma harmonia linda e misteriosa. Esse era o som, então,
graças a Rue, que mandava os trabalhadores do Distrito 11 para casa cada noite. Alguém vai começá-la na parada, pergunto-me, agora que ela está morta?
Por um momento, apenas fecho meus olhos e escuto, hipnotizada com a beleza da música. Então algo começa a atrapalhar a canção. Executa cortes irregulares, linhas imperfeitas. Notas dissonantes intercalam com a melodia. As vozes dos mockingjays se elevam num grito de alarme.
Estamos de pé, Peeta empunhando sua faca, eu posicionada para atirar, quando Cato aparece pelas árvores e corre até nós. Ele não tem nenhuma lança. De fato, suas mãos estão vazias, embora ele corra direto para nós. Minha primeira flecha atinge seu peito e inexplicavelmente cai de lado.
“Ele tem algum tipo de armadura!” grito para Peeta.
Bem a tempo, também, porque Cato está sobre nós. Eu me abraço, mas ele corre entre nós sem diminuir a velocidade. Posso dizer pela sua respiração ofegante, o suor escorrendo de seu rosto purpúreo, que ele esteve correndo muito por um longo tempo. Não em nossa direção. De algo. Mas o quê?
Meus olhos examinam a floresta bem na hora de ver a primeira criatura entrando na planície. Quando estou me virando, vejo outra meia dúzia se reunindo. Então estou tropeçando cegamente atrás de Cato com nenhum pensamento exceto me salvar.